terça-feira, 19 de julho de 2016

A música mais antiga da história da humanidade

A canção abaixo é mais antiga já registrada na história da humanidade. Sua composição foi encontrada em tabuletas de argila, escritas em letra cuneiforme, na Síria, nas ruínas da antiga cidade de Ugarit. 
O texto foi descoberto pela primeira vez em 1950, onde os arqueólogos encontraram diversas tábuas que remontavam ao século 14 A.C, aproximadamente 3400 anos atrás. O texto encontrado em escrita cuneiforme no idioma Hurrita (povo que viveu na antiga Mesopotâmia) pode ser o mais antigo registro de uma composição musical. 

A pergunta mais intrigante disso tudo é: como essa música ancestral soaria? Certeza absoluta talvez nunca tenhamos. Mas, desde sua descoberta, diversos estudiosos procuram reproduzir como seria a canção. Logicamente que não utilizando os instrumentos daquela época pois, embora os registros históricos apontem a lira, a flauta e outros instrumentos antigos como os que foram utilizados, não há uma completa certeza. Além do mais, a composição trata-se da Harmonia da canção e não da melodia propriamente dita. 

Ao que tudo indica a canção contida nas tabuletas é um hino a Nekkal, deusa das plantações. Antes da descoberta das tabuletas em 1950, pouco se sabia sobre a música sumério-babilônica exceto os instrumentos utilizados, o que foi deduzido em imagens esculpidas e vestígios arqueológicos encontrados. A música (tanto a teoria quanto a prática) era considerada pelos antigos povos como uma arte divina e seu patrono era o deus Enko/Ea, que governava os reinos da magia, da arte e do artesanato. 

Em 2010, o compositor e pianista Malek Jandalli e a The Syrian Simphony Orchestra em parceria com a The Russian Philharmonic Orchestra apresentou ao mundo uma versão aperfeiçoada da mais antiga canção da humanidade. Mesmo que na época de seu surgimento, não era esse som que se ouvia pela antiga cidade mesopotâmica, essa composição evoca um miticismo único.

Curiosidade: essa canção é tocada no filme Prometheus (2012) do diretor Ridley Scott. No filme, que aborda a busca do homem por sua própria origem, o personagem David 8, ao se ver diante da base da nave pertencente aos "Arquitetos da Humanidade", toca uma rudimentar flauta. A música é Echoes of Ugarit.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

O Seboso (Um conto inédito de Carlos Romero Carneiro)

Você pode entornar uma garrafa de vodka, encarar um vinho doce e vagabundo, exagerar na cerveja e no cigarro, misturar licor, marula e batida de pinga… tudo isso dá uma ressaca desgraçada e faz o corpo gritar. O que ninguém pode negar é que existe um tipo de ressaca mais corrosiva do que o consumo excessivo do álcool: a ressaca de gente. Essa fará você pedir ao diabo que lhe ofereça um quartinho nos fundos, produzirá cicatrizes em seus olhos e o fará jurar não botar mais os pés naquele bar. 
 Sou um sujeito retraído. Tenho um grupo restrito de amigos com quem me encontro para contar como foi a semana, ouvir histórias e dar umas risadas sem correr o risco de ser mal interpretado. Acontece que, você sabe, bar é uma terra de ninguém. Sujeito chega de mansinho e, quando você percebe, encontra doses de Campari na sua comanda e o caralho. Desligado que sou, só fui me dar conta de que havia um sujeito cara larga na minha vida boêmia quando a situação chegou ao limite. O cara já estava na cola há algum tempo. Esses trastes são lisos. Jamais vão levantar a voz ou tratá-lo mal. Chato impregna mais do que fumaça de cigarro sem filtro. Tem o dom de escorrer pelo corredor estreito do boteco e, quando você atina, lá está o seboso escorado ao seu lado.

Não faz muito tempo, levei minha esposa para um jantar no restaurante de um velho amigo. Dávamos risadas e falávamos sobre coisas que a rotina esconde, até que me chega o seboso, quarenta e tantos, solteiro, chato pra caralho e me pede para sentar na mesa. Sou demorado para notar as coisas. Estou sempre desprevenido. Como dizer não numa situação daquelas? E o cabra senta. E pede um copo. E entorna minha cerveja e começa a falar de tecidos. Que porra eu entendo de popeline? O sujeito insiste. E fala. E fala pra cacete! Os planos de viagem, as preocupações da minha mulher com o aniversário do filho e a vacina da cachorra, não importam mais. O sujeito engata uma terceira sobre os descontos que encontrou na vinte e cinco e não há remédio senão pedir a conta. 

Ontem a história se repetiu. Estava com um tio e uma prima que raramente encontro. Adoro aquele sujeito. É tão detalhista para contar as coisas que tento memorizar as suas frases para construir as minhas. E dá-lhe, cerveja, vinho e o que viesse. Vejo o seboso chegar à porta com um sorriso maroto, aproximar-se lentamente da mesa e pedir uma cadeira. “Filho da puta!” Tornara-se íntimo. Deve ter visto em mim um passaporte para falar sobre cambraia com quem quer que seja. E começa… sua voz fina preenche todas as frestas do restaurante e já começa a incomodar os clientes na outra ponta. O chato me entrega 3 Reais, pede uma cerveja de 7 e apresenta a minha comanda ao garçom. Fiquei sem reação. Ele é humilde e até meio delicado. E eu não tenho meias palavras. Como dar porrada num cara desse? E chega a refeição do meu tio. Um boêmio que conhece bem as antimanhas dos velhos golpistas. O seboso fala, ele não responde. Sem se dar por rogado, o chato usa as mãos para rasgar um pão fatiado, mergulha-o na tijelinha de homus (era comida árabe) e escancara a boca para receber a massa que perdera o brilho ao aproximar-se de um emaranhado de restaurações mal feitas. A massa gruda no canino. Minha prima faz cara de nojo. “Foda-se” – penso. – “Ele que fique aí.” Dois amigos chegam em seguida. Me encontro com eles no balcão e sou recebido com um abraço. É praxe nos encontrarmos naquele bar há mais de 5 anos. Há poucos metros, o meu tio paga a conta e foge. O chato chega ao balcão. Pede um copo, enche com a cerveja dos meus amigos e solta sua voz imersa em gás hélio. “Tenho uma mala cheia de tecidos lá em casa. É com ela que eu ganho a vida!” – “Puta quel pariu!” – rosno. “Deve ser uma mala enorme!” – responde o meu amigo. O seboso posiciona-se, estrategicamente, no centro do balcão e abre os braços. É repreendido pelo dono do estabelecimento que diz que ele poderia estar passando dos limites. “São meus amigos!” – dá um tapa nas costas do músico. Meu amigo acende um cigarro para acalmar os nervos. O seboso fila. Chega outra cerveja. O chato serra. Meu amigo acende um cigarro na bituca fumegante e o sujeito arreganha o maço sobre a mesa para ver o que tinha sobrado. Terra devastada. 

Meu amigo tentava relatar sua última peripécia, mas parecia afogar-se em um oceano pegajoso. Contava que foi parado por um policial que puxou a capivara de seu veículo e encontrou mais de cinco anos de IPVA vencido. “Todo aquele imposto, somado aos prejuízos da multa, guincho e estacionamento… não vale a pena. Abandonei o Corsa no pátio da delegacia e comprei outro carro! Uno Fire! Bonito pra caralho…” – e foi cortado novamente pelo chato: “Carro novo? Vou aceitar carona!” E meu amigo pulou com os dois pés em seu peito: “A pena do chato é andar a pé. Comigo você não vai!” E aplicou-lhe um direto no nariz. 

(Carlos Romero Carneiro)